“Medo da Covid-19 pode atrasar busca de socorro cardíaco”, diz presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia
As cardiopatias aparecem como principal fator de risco de morte para pacientes com Covid-19, segundo os boletins divulgados diariamente pelo Ministério da Saúde.
A pandemia, no entanto, tem reduzido os atendimentos cardiológicos de emergência em todo o país, especialmente os infartos e anginas instáveis, segundo Marcelo Queiroga, presidente da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia).
O mesmo fenômeno já havia sido observado nos Estados Unidos e em países da Europa. Queiroga teme que pacientes com infarto e AVC estejam demorando para irem às emergências, ou para serem atendidos, com possível reflexo na mortalidade.
“No Instituto do Coração, a redução estimada das angioplastias primárias está em torno de 50%. A média mensal é de 40 casos; nos primeiros 13 dias de abril, apenas nove foram realizadas”, diz Queiroga.
“Ainda não há dados consolidados e nem uma explicação única sobre essa diminuição. Entre as hipóteses estão desde a possibilidade de estar havendo de fato uma diminuição das ocorrências, até a mais plausível, que as pessoas estejam retardando a busca por socorro”.
Em entrevista ao Globo, o presidente da SBC também fala dos riscos para cardíacos que usam a cloroquina/hidroxicloroquina e azitromicina. Segundo o cardiologista, esses medicamentos aumentam muito o risco de taquicardias ventriculares (principalmente Torsades des Pointes), bradicardia (diminuição na frequência cardíaca) e de morte súbita.
Por que os cardiopatas fazem parte do grupo de risco para agravamento da Covid-19? Há estudos que mostrem como isso ocorre?
Entre 25% e 50% dos pacientes com Covid-19 apresentam condições crônicas, em especial doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, que elevam o risco de doença grave e morte. Uma meta-análise de seis estudos conduzidos na China, incluindo 1.527 pacientes com Covid-19, avaliou a prevalência de doença cardiovascular e evidenciou as seguintes proporções: 17,1% de hipertensão; 16,4% de doenças cardíaca e cerebrovascular; e 9,7% de diabetes. Esses estudos evidenciaram a importância para a mortalidade relacionada à Covid-19 não apenas das doenças crônicas mas também da idade e do estado imunológico do hospedeiro, caracterizando um modelo complexo, multifatorial e bidirecional, que pode envolver os medicamentos usados para tratar aquelas patologias.
Dados recentes da pandemia da Covid-19 descrevem que o vírus pode afetar o sistema cardiovascular com manifestações diversas como injúria miocárdica, insuficiência cardíaca, síndrome de Takotsubo (miocardiopatia por estresse), arritmias, miocardite e choque. O dano ao sistema cardiovascular é provavelmente multifatorial e pode resultar tanto de um desequilíbrio entre alta demanda metabólica e baixa reserva cardíaca quanto de consequência de inflamação sistêmica e trombogênese, assim como pode ocorrer por lesão direta cardíaca pelo vírus.
Qual a orientação da SBC para as pessoas que têm problemas cardíacos?
Neste momento de crise de saúde pública, é muito importante informar aos pacientes cardiopatas sobre os riscos que correm ao se contaminarem com o coronavírus, e a necessidade de se cuidarem e se protegerem é ainda maior, seguindo seus tratamentos específicos, fazendo o uso regular dos seus medicamentos conforme prescrição médica.
O medo da infecção pelo novo coronavírus está levando as pessoas a adiarem a ida às unidades de saúde?
A pandemia tem reduzido atendimentos cardiológicos de emergência em o todo o país, especialmente os infartos e anginas instáveis, fenômeno também observado nos Estados Unidos e países da Europa. O receio é de que esses pacientes com infarto e AVC estejam demorando para irem a essas emergências, ou demorando a ser atendidos, com possível reflexo na mortalidade. Muitos pacientes que têm problemas cardíacos procuram uma consulta médica ou a emergência das unidades de saúde somente na última hora, o que é considerado uma postura arriscada para quem tem a doença que mais mata no país. O problema é grave porque essas doenças, principalmente o infarto, foram responsáveis por cerca de 27% de todas as mortes em 2017, segundo os dados do DataSUS. Foram 388.268 óbitos por doença cardiovascular no ano de 2017 no Brasil. É um problema de saúde pública, que agora é agravado pela pandemia da Covid-19, especialmente pelos riscos competitivos.
De quanto foi a redução no número de atendimentos de infartos?
No caso das angioplastias primárias (desobstrução da artéria por meio de um balão e, depois, colocação de stent), a redução chega a 50%, segundo a Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI), quando comparado a primeira semana de abril deste ano com o mesmo período de 2019.
No Instituto do Coração (Incor), a redução estimada das angioplastias primárias está em torno de 50%. A média mensal é de 40 casos; nos primeiros 13 dias de abril, apenas nove foram realizadas. Ainda não há dados consolidados e nem uma explicação única sobre essa diminuição. Entre as hipóteses estão desde a possiblidade de estar havendo de fato uma diminuição das ocorrências, até a mais plausível, que as pessoas estejam retardando a busca por socorro, o que pode agravar o quadro cardíaco ou levar a morte repentina em casa. Há também a hipótese dos riscos competitivos. As pessoas não estão chegando às emergências, mas vão continuar morrendo de causas cardíacas. A Covid-19 é um fator complicador. O medo pode atrasar a busca por socorro e complicar as doenças cardiovasculares agudas e crônicas.
Quais são os sinais de alerta para os pacientes?
O principal sintoma do Infarto é dor ou desconforto na região do peito, podendo irradiar para as costas, rosto, braço esquerdo e, raramente, o braço direito. Esse desconforto costuma ser intenso e prolongado, acompanhado de sensação de peso ou aperto sobre tórax, com suor frio, palidez e vômitos. Os portadores de doenças cardiovasculares precisam procurar o médico e as emergências como faziam anteriormente à pandemia.
Como está sendo a orientação para médicos e pacientes neste momento?
A Sociedade Brasileira deCardiologialançou, nodia 11, o Programa deTelecardiologiapara tentar resolver esse problema sem interromper o isolamento social recomendado pelo Ministério da Saúde.O objetivo é esclarecer dúvidas dos portadores de doenças cardiovasculares e facilitar o acesso dos pacientes aos seus cardiologistas. A plataforma virtual vai encurtar a distância entre o médico e seu paciente, democratizar o acesso à saúde e auxiliar os portadores de comorbidades associadas às doenças cardiovasculares.Os cardiologistas associados podem acessar a plataforma no site www.telecardiologia.cardiol.br, para facilitar o atendimento às pessoas e orientá-las, inclusive sobre o novocoronavírus. A ferramenta tem um tutorial para o médico aderir ao programa, que será gratuito durante a pandemia.
Estudos mostram que alguns medicamentos usados por pessoas com cardiopatia podem agravar o quadro da Covid-19. Quais são e que procedimento deve ser adotado pelo paciente?
Alguns estudos sugerem que os inibidores da enzima conversora de angiotensina e os bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) podem regular positivamente a ECA2 (enzima conversora de angiotensina-2), aumentando, assim, a suscetibilidade ao vírus. Outros estudos, entretanto, mostraram que os IECA / BRA podem potencializar a função protetora pulmonar da ECA2. A Sociedade Brasileira de Cardiologia, a Sociedade Europeia de Cardiologia e o American College of Cardiology recomendam a avaliação individualizada do paciente e sugerem que não se suspendam abruptamente os esquemas terapêuticos em uso, uma vez que isso pode causar instabilidade clínica e desfechos adversos.
Um dos sintomas relatados por pacientes com a Covid-19 é o cansaço. Como diferenciar esse sintoma do cansaço que uma cardiopatia pode normalmente provocar?
Um estudo conduzido na China com 72.314 pacientes com Covid-19 (44.672 casos confirmados laboratorialmente, 16.186 casos suspeitos e 10.567 casos diagnosticados clinicamente) mostrou gravidade clínica leve em 81,4% das amostras, severa em 13,9% e crítica em 4,7%. Os sintomas mais comuns foram: febre, tosse, dispneia, mialgia, fadiga e diarreia. Outros sinais e sintomas ainda foram relatados, como dor de garganta, dor torácica, confusão mental e letargia. Esses sintomas em conjunto sugerem a Covid-19, enquanto a presença de dispneia (falta de ar associada a cansaço) associada à presença de cardiopatia prévia indica descompensação cardíaca, que precisa da avaliação de um cardiologista.
Estudos têm mostrado que a cloroquina é preocupante quando usada em cardíacos. Por quê?
Por não dispor de tratamento antiviral específico até o momento, a comunidade científica tem corrido para pesquisar drogas com potencial de mudar a história natural da doença. Tanto a cloroquina quanto a hidroxicloroquina têm efeito direto na replicação do Sars-Cov-2 em estudos experimentais, reduzindo a eficiência da ligação do vírus com a ECA2 (enzima conversora de angiotensina-2) e aumentando o pH lisossômico, impedindo o processo de fusão vírus-célula. Embora os perfis de segurança da cloroquina/hidroxicloroquina e azitromicina sejam adequados para uso isolado em doenças crônicas, ambas as medicações têm efeito potencial de prolongar o intervalo QT (medida feita em um eletrocardiograma para avaliar algumas das propriedades elétricas do coração), o que aumenta muito o risco de taquicardias ventriculares (principalmente Torsades des Pointes), bradicardia e de morte súbita, especialmente em cenários de inflamação sistêmica causada pelas viroses respiratórias epidêmicas.
Fonte: Jornal O Globo.